Uma parcela aproximada de 10% dos pacientes com COVID-19 precisa ser amparada pela ventilação mecânica como forma de garantir a sua vida devido a diminuição grave da oxigenação do sangue. Diante dessa realidade, cria-se a necessidade de buscar alternativas que ajudem a melhorar os resultados relacionados ao suporte ventilatório desses pacientes. Recentemente, a comunidade médica começou a discutir a utilização de uma técnica simples, e já usada na Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo - SDRA, para tratar os pacientes hospitalizados com COVID-19: a posição de pronação. Neste texto vamos revisar os aspectos básicos sobre esta opção de tratamento. O público alvo do texto são profissionais e acadêmicos da área da saúde mas tentamos utilizar uma linguagem simples visando atingir um número maior de pessoas que possam ter interesse em conhecer mais sobre esta técnica. Além disso, o texto foi baseado na aula excelente do Dr. Paulo César Gottardo.
A técnica da Posição PRONA consiste em deitar o paciente com as costas para cima, deixar um braço na posição fletida e o outo na posição estendida, semelhante a posição de um nadador.
Relatos sugerem que a técnica é viável, tendo em vista a melhora da oxigenação sanguínea em pacientes que foram submetidos a essa técnica.
Entenda o porquê a técnica funciona:
Quando pensamos na fisiologia da ventilação pulmonar, devemos considerar vários aspectos importantes como o peso pulmonar, sua complacência (capacidade do pulmão de expandir) e a sua resistência à entrada de ar. Esses aspectos variam em cada organismo e influenciam a maneira como o pulmão deverá ser ventilado.
Pulmões que apresentam alto peso, com complacência baixa e alta resistência, pulmões ditos como Tipo H, têm sua entrada de ar dificultada. Esse quadro torna-se ainda pior quando há a presença de uma infecção pulmonar, como é o caso dos pacientes internados com COVID-19. Todos esses aspectos juntos, variáveis pulmonares mais a infecção, exercem uma alta tensão sobre as bases pulmonares onde acontece a maior porcentagem de trocas gasosas, resultando numa baixa oxigenação sanguínea. Além disso, essa alta tensão soma-se a necessidade de uma maior pressão de abertura dos alvéolos (local onde ocorrem as trocas gasosas nos pulmões), o que ocasiona lesões no parênquima pulmonar.
A posição de PRONA diminui a pressão excessiva sobre a base pulmonar, facilitando a abertura dos alvéolos. Isso diminui as lesões que estavam sendo causadas pela alta pressão e aumenta a superfície de trocas gasosas, levando a uma melhora no quadro geral, funcionalidade do pulmão e oxigenação do sangue.
Partindo da premissa de que o pulmão e o coração são órgãos que se relacionam intimamente, devido a interdependência entre ambos, quando há uma melhora da função pulmonar também temos uma melhora da função cardíaca. Estima-se que o índice cardíaco – desempenho cardíaco relacionado com a superfície corporal – apresente uma melhora de 18 a 32%, ou seja, há uma melhor distribuição sanguínea pelo corpo com a técnica de Prona.
Quando usar em pacientes com COVID-19?
A indicação de PRONA para pacientes com COVID-19 é bem específica e necessita planejamento para a realização da técnica, além da organização da equipe para que seja realizado o manejo adequado do paciente da maneira mais segura possível.
Existem 2 cenários de indicação de PRONA para pacientes com COVID-19:
1. Pacientes que estão acordados, cooperativos e com estabilidade hemodinâmica e neurológica. Nesse caso, é necessário explicar a técnica para o paciente para que ele mesmo possa realizá-la. A meta é manter uma saturação sanguínea (SatO2) acima de 92% e para isso é necessário a monitoração contínua da oxigenação.
Esses pacientes farão ciclos alternados de mudanças de posição:
a. 30 minutos – 2 horas: o paciente permanecerá na posição PRONA sem inclinação da cama;
b. 30 minutos – 2 horas: decúbito lateral direito sem inclinação da cama;
c. 30 minutos – 2 horas: sentado com inclinação de 30° - 60° da cama;
d. 30 minutos – 2 horas: decúbito lateral esquerdo sem inclinação da cama;
e. 30 minutos – 2 horas: PRONA sem inclinação da cama.
2. Pacientes sob ventilação mecânica que não possuam as contraindicações abaixo:
- Instabilidade hemodinâmica e/ou neurológica;
- Cirurgia recente (Esternotomia, Traqueal, Facial, Trauma ocular);
- Fratura instável;
- Hemoptise maciça ou franca insuficiência respiratória.
Preparação da Técnica de PRONA:
- Pausar a dieta do paciente 2 horas antes da realização da técnica;
- Separar 2 coxins;
- Garantir a presença de um carrinho de Parada Cardiorrespiratória juntamente com um Kit de Intubação Orotraqueal (IOT) para COVID-19. Esses itens devem estar preparados para o uso caso seja necessário;
- Avaliar, fixar ou posicionar sondas e cateteres;
- Separar avaliadores de pressão;
- Avaliar a possibilidade de clampleamento temporário do Tubo Orotraqueal (TOT). Isso evita o risco de desconexão do sistema de suporte ventilatório da via aérea no momento da mudança de decúbito;
- Realizar Gasometria Arterial 1 hora antes da realização da técnica.
Para assegurar que todos os aspectos necessários à realização da técnica de pronação sejam cumpridos, aconselha-se a realização de um Check List Pré Pronação que englobam tópicos relacionados ao paciente, aos equipamentos e à equipe que realizará a técnica. Além disso, a disponibilização de EPI’s é fundamental para que a segurança dos profissionais seja garantida, visto o cenário de alta transmissibilidade do SARS-CoV-2.
Realização da Pronação:
1. Os coxins devem ser posicionados sobre a região esternal e inguinal do paciente para que a pressão sobre o abdome e tórax do paciente seja reduzida;
2. Cobrir o paciente com um lençol e enrolar suas bordas a fim de deixá-lo “envelopado”;
3. Tracionar, pelas bordas enroladas, o paciente até a lateral da cama e deixá-lo na posição de decúbito lateral;
4. Girar o paciente até sua posição original, mas em decúbito PRONA;
5. Colocar eletrodos na face posterior do tórax para monitorização cardíaca;
6. Posicional os braços, um flexionado e o outro estendido, e a cabeça do paciente;
7. Manter paciente em posição PRONA por 16 horas.
Após a mudança de decúbito do paciente, é importante verificar o posicionamento do Tubo Orotraqueal e se a ventilação mecânica está funcionando adequadamente. Além disso, é necessário cuidados seriados como posição da cabeça, mudança da posição dos braços, verificar se os olhos estão fechados e a língua está dentro da boca do paciente.
Como saber se a técnica está sendo efetiva?
É necessário coletar uma nova gasometria 1 hora antes de reverter a posição de pronação e repetir 4 horas após o retorno para a posição normal (supina). Pacientes que apresentam melhora nas primeiras 3 a 6 horas tendem a perpetuar essa melhora. Já para aqueles que não apresentam melhora de pelo menos 20% da função pulmonar com 3 a 6 horas de pronação, tendem a não ter resultados satisfatórios com a técnica. A ultrassonografia pulmonar nos pacientes pronados também consegue estimar se o paciente está respondendo ou não a mudança de posição. Caso seja constatado que o paciente não está respondendo à técnica, fica indicado o retorno a posição supina.
A técnica é segura na maioria dos casos, mas alguns pacientes podem apresentar Parada Cardiorrespiratória. Por este motivo a técnica deve ser realizada em ambiente hospitalar e com equipe treinada. Nesses pacientes é indicado avaliar o ritmo cardíaco e definir a necessidade ou não de choque.
· Ritmo chocável: para esses pacientes, pode-se utilizar uma técnica alternativa de reanimação que consiste em realizar 3 ciclos de choque, alternados à compressões torácicas, com o paciente ainda em pronação. O choque deve ser realizado entre as escápulas, evitando ossos longos, e deve seguir ao máximo o eixo cardíaco. Após a reversão do quadro é necessário retornar o paciente à posição supina e fazer uso da medicação amiodarona;
· Ritmo não chocável: realizar rápido retorno à posição supina, procurar as causas e usar os protocolos ACLS de manejo da parada cardiorrespiratória.
A técnica de Prona surgiu como uma opção de tratamento nos pacientes com COVID-19 grave com o objetivo de melhorar a oxigenação sanguínea devido a melhora da função pulmonar. No entanto, não são todos os pacientes que apresentam benefício no longo prazo e a técnica deve ser realizada em ambiente hospitalar, com o paciente monitorizado, e por uma equipe treinada.
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